
Redes sociais de Governantes: regras atualizadas sobre as publicações.
- Arthur Guerra
- há 12 minutos
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Arthur Guerra
Advogado e Professor
A discussão sobre o uso das redes sociais por agentes públicos voltou ao centro do debate jurídico. Manchetes recentes sugeriram que o Superior Tribunal de Justiça teria proibido prefeitos e governadores de divulgar ações de governo em perfis pessoais.
Mas, em verdade não foi isso que aconteceu…
O que está em jogo não é o post em si, mas o eventual desvio de finalidade na utilização de recursos públicos para construir vitrines pessoais.
A decisão da 2ª Turma do STJ, no Recurso Especial 2.175.480/SP, ilustra bem o ponto. Longe de impor uma mordaça, o tribunal apenas determinou o prosseguimento de uma ação de improbidade para apurar indícios de autopromoção pessoal com peças oficiais replicadas no perfil particular de um então prefeito de grande capital, somados à desproporção de gastos e a um contexto político específico. Não houve condenação, nem tese geral de proibição. Houve, sim, reconhecimento de que havia elementos mínimos para instrução da causa.
No caso, fala-se em cerca de 44 milhões de reais gastos em publicidade, valor acima de 20% do custo total do programa de obras de asfaltamento, orçado em 190 milhões, além da replicação, no perfil pessoal, de peças institucionais com slogan e identidade visual da gestão. Diante desse conjunto, o STJ concluiu que era plausível investigar se a publicidade institucional tinha sido concebida, no fundo, como instrumento de promoção pessoal do governante.
A mensagem que emerge dessa e de outras análises técnicas é bastante nítida: não há vedação generalizada ao uso de redes sociais por agentes públicos. Existe, isto sim, um limite constitucional claro para o uso de dinheiro, símbolos, identidade visual e canais oficiais do Estado com a finalidade de enaltecer a pessoa do gestor.
Informação legítima x autopromoção institucional
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência recentes insistem em uma distinção que, na prática, vem sendo ignorada por parte da cobertura midiática e, muitas vezes, pelos próprios agentes políticos:
de um lado, a comunicação legítima de atos de gestão, inclusive em perfis pessoais, às expensas do próprio agente, sem apropriação de estrutura oficial, sem slogans de governo, sem impulsionamento custeado pelo erário;
de outro, a publicidade institucional desenhada com recursos públicos e convertida em peça de culto à personalidade do governante, seja por meio de outdoors, campanhas midiáticas desproporcionais ou apropriação, pelo titular do cargo, de conteúdo criado e pago pelo Estado.
O Tribunal Superior Eleitoral, por sua vez, já assentou que a mera reprodução, em rede social privada, de peça publicitária extraída de canais oficiais, sem pedido de voto, sem adjetivações personalistas e sem desvio da finalidade institucional, não se confunde com publicidade institucional vedada, mesmo em período sensível do calendário eleitoral.
A linha de corte permanece a mesma: o que está sendo protegido é a impessoalidade na aplicação dos recursos públicos, não o silêncio forçado de autoridades.
O problema pode ser sintetizado em uma pergunta incômoda, mas necessária: há uso de recursos, símbolos, identidade visual e canais oficiais para promover o titular do cargo, ou há simples relato de atos de governo em página pessoal?
A resposta concreta a essa pergunta é o que separa a liberdade de expressão legítima do ato de improbidade.
Quando o interior vira laboratório do futuro
Se, no caso analisado pelo STJ, discutem-se indícios e a necessidade de instrução probatória, em outro ponto do mapa brasileiro já há uma condenação com consequências severas.
A Justiça do Tocantins condenou o ex-prefeito de Rio dos Bois por improbidade administrativa justamente por utilizar a publicidade institucional para autopromoção nas redes. As campanhas eram produzidas por agências contratadas pela prefeitura e veiculadas nos perfis oficiais do município no Instagram e no Facebook. Em todas elas, repetia-se a mesma lógica: imagem, nome e logomarca pessoal do prefeito estampados nas peças, associando diretamente programas, obras, eventos e serviços à sua figura.
O Ministério Público apontou violação frontal ao princípio da impessoalidade, enriquecimento ilícito e favorecimento pessoal, justamente porque o agente se beneficiou politicamente de uma publicidade financiada com recursos públicos, destinada a elevar sua imagem. A sentença acolheu integralmente a tese ministerial e aplicou o pacote completo de sanções de improbidade: suspensão dos direitos políticos por oito anos, perda de eventual função pública, ressarcimento integral dos valores dos contratos de publicidade, multa civil de cinco vezes a última remuneração como prefeito e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios fiscais pelo mesmo período.
Na prática, isso significa inelegibilidade prolongada e um forte sinal para outras gestões municipais: a fronteira entre “divulgar o trabalho” e “usar a máquina para se promover” não é retórica. Ela produz sentenças, bloqueios patrimoniais e carreiras políticas abreviadas.
A ilusão da “internet sem dono”
Há um equívoco recorrente no discurso político contemporâneo: a ideia de que perfis em redes sociais seriam uma espécie de extensão natural da personalidade do agente, independentemente da origem do conteúdo e dos recursos empregados. É como se toda publicação fosse automaticamente “pessoal” só porque aparece em um @privado, e não em uma página institucional.
O que as decisões recentes lembram é que o rastro do dinheiro não desaparece quando atravessa o cabo de fibra óptica. Se a peça foi criada com verba pública, se carrega slogan de governo, brasão do município, paleta de cores padronizada e linguagem de exaltação do gestor, não se trata de “meramente postar o que saiu no site da prefeitura”. Trata-se de multiplicar, em benefício do agente, uma campanha que deveria servir à coletividade.
Do outro lado, também é falaciosa a narrativa de que qualquer presença digital do governante seria suspeita ou ilícita por definição. A jurisprudência eleitoral tem sido firme em reconhecer que o agente público é, antes de tudo, cidadão com liberdade de expressão. Se produz, às suas expensas, conteúdos informativos sobre a gestão, sem capturar a engrenagem institucional, está dentro do espaço protegido pela Constituição.
O problema surge quando perfis oficiais e pessoais se confundem de forma deliberada: collabs entre conta da prefeitura e conta do prefeito, peças em que o brasão do município divide espaço com a foto posada do mandatário, campanhas que replicam, na comunicação institucional, as cores e slogans da campanha eleitoral. Órgãos de controle, como o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, já determinaram a retirada desse tipo de publicação colaborativa exatamente porque dissolvem a impessoalidade e convertem comunicação pública em exposição personalizada.
Responsabilidade compartilhada: gestores, equipes e imprensa
Há, por fim, uma responsabilidade que não recai apenas sobre quem ocupa o cargo. Equipes de comunicação, agências de publicidade e, em certa medida, a própria imprensa têm desempenhado papel decisivo na confusão entre informação e propaganda personalista.
Quando veículos noticiam que o STJ “proibiu” o uso de redes sociais por gestores, sem ler o inteiro teor do acórdão, criam um clima de pânico institucional, afastando o bom gestor da transparência digital e dando munição para leituras oportunistas. De um lado, autoridades bem intencionadas recuam por medo de serem acusadas de improbidade por qualquer publicação. De outro, maus gestores exploram a desinformação para posar de vítimas de uma suposta censura judicial, ao mesmo tempo em que seguem utilizando recursos públicos para se autopromover.
A correção de rota exige algo bastante simples, mas hoje contraintuitivo no ambiente digital: ler antes de publicar e planejar antes de contratar. Isso vale para a imprensa, que precisa diferenciar decisão de recebimento de ação de decisão de mérito, e vale, sobretudo, para governantes e suas assessorias, que devem submeter estratégias de comunicação a uma pergunta básica: este conteúdo serve ao interesse público ou ao projeto pessoal de quem ocupa o cargo?
A resposta dada pela Constituição, pelo STJ e pela Justiça do Tocantins é convergente. Agentes públicos podem e devem prestar contas de seus atos nas redes sociais. O que não podem é transformar, sob o manto da “divulgação de gestão”, o orçamento de comunicação em investimento privado de construção de imagem. Quando isso acontece, a internet pode até parecer terra sem dono, mas o processo judicial tem dono certo – e a conta, cedo ou tarde, chega.
Arthur Guerra é advogado, especialista em Direito Eleitoral, em Direito Público Municipal, em Direito Constitucional, Mestre em Direito Constitucional, Doutor em Direiro Público, Pos-Doutor em Direito Público e Democracia. @eleicaoéGuerra





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